Origens e história do lugar de Dagorda

07-08-2014 11:42

 

Origens e história do lugar de Dagorda, povoado que surgiu em finais do século XIII, e que se desenvolveu habitado por gente humilde, assalariada, que trabalhava "à jorna" nas três quintas senhoriais que o rodeavam: Quinta de S. Lourenço, Quinta da Dagorda e Quinta do Varatojo.  Pequeno povoado localizado à beira da "estrada real", que fazia a ligação a Óbidos, segundo o Numeramento de 1527 mandado realizar por D. João III, possuía 10 vizinhos, isto é 10 habitações, provavelmente 30 a 40 moradores.

 Apesar de aldeia "apertada" entre as três quintas, e de nunca ter conseguido crescer ao longo da estrada, foi-se desenvolvendo no sentido norte, atingindo nos nossos dias uma população de cerca de 600 eleitores recenseados.

 População maioritariamente descendente de galegos e minhotos, que vindos do norte foram acompanhando a reconquista cristã no século XII e se foram instalando formando novos povoados, ao longo dos rios e ribeiras, numa região que se encontrava praticamente despovoada durante a ocupação muçulmana. Certamente que também alguns descendentes de francos, originalmente instalados pelo nosso primeiro rei em Atouguia da Baleia, Lourinhã e Vila Verde dos Francos, e que posteriormente daí derivaram, constituindo novas povoações. Foi o caso das aldeias de A-dos-Ruivos e A-dos-Francos, bem próximo da Dagorda.

 Ao longo dos séculos a população da Dagorda contribuiu com o seu trabalho braçal para o sucesso do senhor da quinta, do senhor feudal, mais tarde do morgado. Viviam, ou sobreviviam, do trabalho assalariado, magro salário, quantas vezes descontado da compra feita no regime de "fiados" na loja do patrão. Também os proprietários ao longo dos tempos iam cedendo aos seus trabalhadores pequenas parcelas de terra em regime de arrendamento, que estes iam amanhando com horta, pão ou vinho, obtendo algum rendimento extra, depois de deduzido o "terço", em géneros ou dinheiro, preço a pagar pela utilização da terra do senhor.
 

Um achado inesperado
 

          Cipo funerário romano, por detrás da coluna
 

 Em Dezembro de 1999, procedendo a prospecções no terreno, dirigiu-se o historiador Dr. Guilherme Cardoso, à Quinta de S. Lourenço com a finalidade de observar a sua capela e uma fonte.

 Foi recebido pelos proprietários, que prontamente lhe franquearam as portas da capela, para que pudesse examinar o  seu interior.  Despida de  mobiliário, pode constatar a antiguidade deste monumento de finais do século XII, como o demonstram as colunas, capitéis e mísulas  românicas  do  arco  da  capela-mor.

 Mas o que particularmente lhe chamou à atenção foram umas letras parcialmente ocultas sob múltiplas camadas de cal, gravadas lateralmente numa das pedras que sustentam o arco da capela.

 Com a necessária autorização dos proprietários e após o minucioso trabalho de decapagem, foi surgindo uma lápide em forma de prisma rectangular, de pedra lioz avermelhada, do tipo Negrais, admiravelmente conservada, depois de tantos séculos passados, nada fazendo supor que ali estaria um monumento de tal importância.

 Tratava-se de um cipo funerário romano, em que os pais do falecido lhe prestam homenagem, numa inscrição em latim clássico com letras, que pelo seu traçado são datáveis do século II da nossa era, cuja tradução reza assim:

  

     Aos deuses Manes. A Galecião, escravo de Lucrécio Lupo de 23 anos.       Lucrécio Galego e Lucrécia Maura mandaram fazer ao filho modelo de piedade.

 

 Segundo a interpretação de Guilherme Cardoso, numa convergência de elementos onomásticos que parecem apontar na mesma direcção, na segunda metade do século II da nossa era, no território que é hoje pertença do concelho do Cadaval, viveu Lucrécio Lupo, senhor de muitas posses, grande proprietário rural. 

 Em determinado momento, libertou dois dos seus escravos pelos seus bons serviços, Galego, que era o vilicus (caseiro) da propriedade e Maura, sua esposa, integrando-os na sua família, a Lucrécia, uma família tradicional de Roma.

 Ao filho de ambos, certamente benquisto de todos apesar de escravo, apelidou com nome de ternura: Galecião, "O Galegão".

 Curiosamente este cipo funerário foi posteriormente reaproveitado, apresentando ranhuras para fixação de barrotes de um sistema de prensa de lagar usado na antiguidade tardia, o que evidencia a grande produção de vinho já naquela época.

 

 Vale aqui referir a descoberta também recente de uma inscrição do século II dedicada ao imperador Marco Aurélio, em S. Tomé de Lamas, cujos dedicantes seriam quatro magistrados da civitas de Eburobrittium, não sendo de descartar segundo vários autores a possibilidade da existência de um aglomerado urbano denominado Trutóbriga, bem como a descoberta de várias colunas que apontam para a existência de uma villa rusticae no lugar de Borgigas, a cerca de 2 Km de S. Lourenço do Peral.

S. Lourenço do Peral
 

                                                         

                                                                               

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                         Capela de S. Lourenço do Peral

 

Só  em  1190  no  reinado  do  segundo  rei  português  D. Sancho I,  aparece referida  uma  "herdade lavrada e inculta" e  a  sua  casa.  Foi  adquirida  pela Colegiada  de  Santa  Marinha  do  Outeiro  de   Lisboa   pelo   valor  de   sete morabitinos, um boi, uma vaca, três cabras, um porco e  metade  da  produção de vinho e pão desse ano.
 Foi nessa época que ali se construiu  a capela  de S.  Lourenço  do  Peral  em estilo românico. O cipo funerário romano foi então aproveitado  para  apoiar  a parede norte do arco da capela, onde ainda hoje se encontra.

 De pequena capela, provável ermitério ou santuário, viria o templo dedicado a S. Lourenço a ganhar freguesia suficiente para justificar a sua elevação a cabeça de paróquia e assim se manter.

 Em 10 de Julho de 1371 foi de forma efémera, a aldeia do Peral elevada à condição de vila e sede de concelho régio, apenas durante sete dias, já que a 17 de Julho foi doada ao Conde de Barcelos, D. João Afonso Tello.

 Alguns meses mais tarde, o Cadaval adquire também o reconhecimento de sede concelhia, por foral concedido pelo rei D. Fernando em 1 de Dezembro de 1371, passando o Peral a integrar o novo concelho.

 Situadas a uma cota relativamente baixa (85 m de altitude) e na embocadura da chamada ribeira do Peral, com o rio de Santo António, as férteis terras em redor da aldeia do Peral permitiam a cultura da vinha e do pão, mas também das hortas que se estendiam ao longo do rio até onde viria a surgir o lugar de Dagorda.
 

                    Altar da capela de S. Lourenço do Peral

 


A taverna da gorda do Peral


 O lugar de Dagorda surge provavelmente  em  finais  do  século XIII,  quando uma moradora do Peral, que  segundo  reza  a  estória  se  caracterizava  pela excessiva obesidade, decide  abrir  uma taverna na beira da estrada que  dava acesso à vila de Óbidos, a  cerca  de  2 km  do  Peral,  destinada  a  servir  os almocreves que por aqui circulavam.
 Verdade ou lenda, o certo é que a obesa senhora deu o nome à aldeia. Desse local apenas resistiu um enorme freixo que sobreviveu  até  aos  nossos  dias, tendo sido derrubado em meados do século XX.

 O primeiro documento em que é referida a aldeia de Dagorda, data de 23 de Março de 1337, e refere a compra de um apreciável conjunto de propriedades por parte do Mosteiro de Santa Clara de Coimbra. Tratava-se de várias courelas de vinha e courelas de herdade com grande descontinuidade espacial e ainda metade de toda a propriedade que Martim Peres possuía.

 Em 9 de Fevereiro de 1340, o Mosteiro aforou a Mem Peres, morador local, através de um contrato a título perpétuo, todo este vasto património. O preço eram 5 libras, pagas no dia de S. João Baptista.

 Em 1386 o contrato de seria a título perpétuo, foi dado pelo Mosteiro por cessado, e o foreiro que sucedera, Rodrigo Eanes, morador em "Arotea", perto do Peral, foi ainda obrigado a encampar ao Mosteiro o que aí possuía: um talho de herdade, uma herdade grande, um chão e uma vinha.

 Todo este conjunto de propriedades seria designado posteriormente por Quinta da Dagorda, cujo casario, que já não existe, se situava na proximidade da antiga taverna.

 

D. Gonçalo Lourenço de Gomide
 

           1º  Escrivão da Puridade

 

 Escrivão da Câmara do rei D. Fernando de 1381 a 1383, e também do rei D. João I até 1393, D. Gonçalo Lourenço de Gomide logrou alcançar o prestigiante cargo de Escrivão da Puridade em 1394.

 Desde 1390, D. Gonçalo possuía interesses na região do Cadaval, a quinta que pertencera a Rui Dias do Rêgo, na Dagorda, onde possuía a Quinta do Varatojo, e em Pêro Vermoiz (Pero Moniz), onde possuía uma vasta quinta, a par do montado de Val de Francas, além dos lugares de Famões e Sanguinhal, então pertencentes ao termo de Óbidos. E para valorizar os bens que ia adquirindo, não deixava de obter do monarca defesas, licenças, autorizações e outros previlégios que este não se recusava a conceder.

 Exemplo disso foi o ocorrido na quinta de Pêro Moniz onde a pretexto que os gados e bestas invadiam e danificavam o montado de Vale de Francas e os seus donos recolhiam gratuitamente lenha e madeira, conseguiu que o monarca lhe honrasse e coutasse a vasta propriedade.

 No entanto em 1396, D. Gonçalo dirige toda a sua influência e capacidade de acção junto do rei, para que lhe fosse concedido um Senhorio jurisdicional de grande importância e capaz de gerar rendas apreciáveis: o antiquíssimo enclave de Montejunto, Vila Verde dos Francos.

 Assim a 11 de Abril desse ano, sem que qualquer motivo fosse apontado, Violante Vasques, e seu marido Afonso Roiz passam a posse, propriedade e senhorio de Vila Verde para D. Gonçalo e sua esposa Inês Leitoa, recebendo em troca a quinta do Varatojo, na Dagorda  e metade da quinta que fora de Rui Dias do Rêgo.

 Alguns dias depois já D. João I confirmava a D. Gonçalo Lourenço o foral que D. Alardo outorgara aos povoadores do seu concelho, completando o processo que legalizava o Escrivão da Puridade como sucessor do primeiro alcaide franco.

 Desta forma a quinta do Varatojo, que originalmente pertencera a D. Gonçalo Lourenço de Gomide, que viria a ser bisavô do grande Afonso de Albuquerque, Vice-Rei da Índia, passa para as mãos de Violante Vasques, descendente do franco D. Alardo.

 

Os Gorjões - As três quintas na mesma família
                                                                                                      

       Francisco Pedro de Mendonça Gorjão


 Em 1770 é aberto no Cadaval, o testamento de Francisco Pedro de Mendonça Gorjão em que é instituído o Morgado e Capela com cabeça na Quinta de S. Lourenço, em favor de seu sobrinho Francisco José Gorjão. A quinta havia sido adquirida por seu irmão Monsenhor António José Gorjão, clérigo e Doutor em Cânones, pela Universidade de Coimbra e Membro do Conselho do Rei, e pela sua morte é herdada por Francisco Pedro. 

 Francisco Pedro de Mendonça Gorjão, aos 11 anos obtém o foro de Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, por sucessão de seu pai, com 1600 réis de moradia e um alqueire de cevada por dia, viria a ter uma carreira político-militar longa e meritória. Depois de uma carreira brilhante como oficial de cavalaria, é nomeado em 1728 pelo rei D. João V, Capitão-Mor da Paraíba. Em 1737 é feito Cavaleiro da Ordem de Cristo, com 12 000 réis de tença, e nomeado Governador da ilha da Madeira e em 1747, Governador e Capitão General do estado do Maranhão e do Grão Pará. Deixa o Brasil em 1751, tendo falecido em 1767, com a patente de Marechal de Campo do Exército. Sepultado na capela da quinta de S. Lourenço, onde ainda hoje se encontra sob laje armoriada com o seu brasão, não deixando geração legítima. No seu testamento pôde verificar-se que teria obtido em 1754, padrão de 101$836 réis de juro, que anexou ao morgadio de S. Lourenço em favor seu sobrinho Francisco José.

 Mas as motivações que levam Monsenhor António José Gorjão a adquirir esta antiga quinta, provavelmente prendem-se com o facto de seu irmão Duarte Gorjão ter celebrado casamento em 1680 com D. Luísa Francisca Joaquina de Macedo, herdeira de toda a casa de seus pais e da quinta da Dagorda.
 

 Para entender melhor, recuemos mais de 100 anos, época em que Simão da Horta Henriques, Fidalgo Cavaleiro e Governador da Ilha Terceira, casa com sua sobrinha Joana da Horta e passam a morar com seus criados e escravos na quinta da Dagorda.

 Seu filho, herdeiro, Sebastião da Horta Henriques recebe por aforamento em 1635, metade da quinta do Varatojo por 80 alqueires de trigo, que pertencia a Inês da Silveira e seu marido. Esta metade da quinta do Varatojo permaneceria unida à quinta da Dagorda até aos nossos dias, enquanto que a outra parte teria aos poucos sido vendida e fragmentada por partilha ao longo dos séculos.

 Duas gerações depois a neta de Sebastião da Horta, e herdeira, D. Francisca Antónia de Castello Branco Lacerda e Horta casa em 1697, com António Botado de Macedo, 3º senhor do morgado da Quinta da Abrigada, unindo as quintas da Dagorda e Varatojo ao antigo morgadio de Abrigada.

 Seria a filha única,  e herdeira destes, já referida, D. Luísa Francisca, que ao casar com Duarte Gorjão em 1680, teria seis filhos, dos quais o primogénito Francisco José Gorjão Henriques da Cunha Coimbra e Serra viria a ser herdeiro de todo este vasto património fundiário.


 

D. Ana Peregrina


 Aos 58 anos, Francisco José Gorjão casa de forma sigilosa e contra a vontade dos irmãos, com a jovem Ana Peregrina Gabriela d'Assunção Barbosa, em Matacães, Torres Vedras. Durante os poucos anos que lhe  restaram  de  vida teve quatro filhos, tendo falecido em 1787 na quinta de S. Lourenço, também ele sepultado como seu tio na antiga capela.
 D. Ana Peregrina passa a ser tutora de seus filhos e gestora da casa  de seu marido até à maioridade do  primogénito  Duarte  Gorjão  da  Cunha  Coimbra Botado.

 Fica famosa para a história a acção judicial intentada por ela contra a Camâra Municipal do Cadaval, em que acusa os moradores de Dagorda, de frequentemente roubarem lenha das suas propriedades, defraudando assim o património que seria de seu filho Duarte.

 Apesar de alguma lenha que teria sido colectada pela gente humilde da Dagorda, Duarte Gorjão viria a tornar-se senhor de toda a casa e Morgadios de seu pai e avô, entre os quais, 8º Morgado do Bombarral, 9º Morgado da Freiria, 7º Morgado da quinta da Abrigada, 2º Morgado da quinta de S. Lourenço e ainda senhor dos vínculos das quintas da Dagorda e da Labrugeira.

 S. Lourenço permanece como Morgadio até 1863, data em que, por Carta de Lei do rei D. Luís I, este antigo vínculo de posse de terra foi extinto.

 A instituição dos morgadios entre a nobreza, perdurou por quase 300 anos, desde 1603, durante as Ordenações Filipinas, em que os bens imóveis permaneciam na família sem poderem ser vendidos ou alienados, em que o filho primogénito herdava a totalidade dos bens, e este, sendo administrador (morgado) tinha que prosseguir com as determinações do seu antepassado instituidor do morgadio.

 Eram assim evitadas sucessivas partilhas, mantendo-se o património unido numa única cabeça. Certamente que um dos motivos que levou à sua extinção, foi o empobrecimento dos filhos não primogénitos da nobreza, cujo única alternativa era seguir a carreira militar ou religiosa.

 De todas as propriedades que os Gorjões possuíam, na actualidade apenas a quinta da Abrigada continua na posse na família, propriedade de João Pedro Gorjão Cyrillo Machado. O palácio Gorjão, residência familiar desde o século XVI, alberga hoje o Museu Municipal do Bombarral.

 Na sequência do fim dos morgadios, não havendo qualquer impedimento legal,  todo o património fundiário que era constituído pelas três quintas na Dagorda, foi adquirido no início do século XX, pela família Clemente Pedro, de S. Mamede da Ventosa, Torres Vedras, que detém ainda nos dias de hoje a quinta de S. Lourenço.    
 

                       Peral,Anos 50- Transporte de uvas em carro de bois


 

 D. Madalena

 Com a união das três quintas, S. Lourenço, da Dagorda e Varatojo e aquisição pela família Pedro, seguiu-se ao longo do século XX a tendência de concentrar em S. Lourenço, seu palacete e restante casario, a sede dessa grande unidade agrícola. Tanto assim que hoje não restam quaisquer ruínas do casario original da quinta da Dagorda, sabendo-se apenas que se situariam junto do velho freixo. Posteriormente foram construídas instalações agrícolas, armazéns, caldeira de destilação e uma casa de caseiro fora da povoação, em terrenos da quinta da Dagorda, já na estrada de acesso à quinta de S. Lourenço, e que hoje tem a denominação de Quinta Nova de S. Lourenço.

 Quanto à quinta do Varatojo, foi arrendada no início do século XX a um morador da Dagorda, Libério dos Santos, meu trisavô, tendo permanecido nessa condição durante três gerações. Hoje, convertida parcialmente em eucaliptal, e vendida por troca de direitos de plantação de vinha, do casario apenas restam algumas ruínas a assinalar onde era a sede da propriedade.

 Na memória colectiva das gentes da Dagorda, sobram imensas estórias de situações ocorridas no dia-a-dia do labor da terra, geralmente movido a enxada, em que dezenas de trabalhadores, com frequência ultrapassando a centena, diariamente, antes do nascer do sol, se apresentavam na quinta para trabalhar, sob o comando rigoroso do caseiro.

 Após a morte de seus pais, D. Maria Madalena dos Anjos Pedro, solteira, assume o gestão da propriedade por várias décadas, enquanto seus irmãos, Clementina e João, conhecido entre nós por João da Rocheira, se dedicam mais à gestão das propriedades de Torres Vedras, Quintas da Rocheira e Casal do Vale.

 Uma das situações caricatas, que ainda hoje é lembrada entre os mais velhos e que reflete bem as dificuldades, que o arrendatário humilde tinha para cumprir as suas obrigações para com o dono da terra, refere o diálogo entre D. Madalena e Zé Gordo, rendeiro, chegado o dia do pagamento do "terço":
 

 - D. Madalena, com grande pena minha, este ano não lhe consigo pagar nada da renda - referiu Zé Gordo

 - No próximo ano vou-lhe pagar um pouco menos, e assim com as minhas fracas posses, vou-lhe pagando - continuou explicando

 - Então Zé, mas assim não me pagas é nunca- retorquiu D. Madalena


A horta do Manel Manco

 Diariamente, de manhã bem cedo, pela estrada do Peral abaixo, era usual ouvir o Manel Manco conduzindo o seu carrinho de mão, aos solavancos na estrada empedrada, com a roda de ferro a chiar por falta de lubrificação. O ritual repetiu-se anos a fio em direcção ao Enxerto, uma fértil várzea, pertencente à antiga quinta da Dagorda, com abundância de água para rega, onde para além do Manel Manco, talvez uma dezena de rendeiros possuíam um pedaço de terra destinado a horta. Ainda recordo a forma cuidada como aqueles pequenos pedaços de terra eram amanhados e a diversidade de produtos hortícolas que os utilizadores daí retiravam.

 Certo dia o Manel Manco deixou de se ouvir, após um processo de herança, a quinta, hoje Quinta Nova de S. Lourenço, foi vendida, e o novo proprietário, um comerciante de fruta instalado em Delgada, Bombarral, tendo comprado uma propriedade de mais de 150 hectares, não tardou em rescindir sumariamente todos os arrendamentos, que vigoravam há décadas, de uma área que somada não excederia 0,5 hectares.

 Várias barbaridades de carácter ambiental foram cometidas, com recurso a fundos comunitários, como o desvio do curso natural de ribeiras, ou a execução de várias captações de água subterrânea sem licenciamento.

 

                                                 Escola do 1º ciclo de Dagorda

 

Nos dias de hoje

 A Quinta de S. Lourenço na actualidade é propriedade de Sérgio Clemente Pedro, sendo administrada pelos seus filhos Alexandre e João Carlos.

 Apesar de grande parte das operações serem mecanizadas, incluindo a vindima, emprega hoje de forma socialmente equilibrada, mão-de-obra entre a população da Dagorda.

 Dedica-se à produção de vinhos regionais, possuindo cerca de 80 hectares de vinha das castas tintas Touriga Nacional, Alicante Bouchet, Cabernet Sauvignon, Syrah, Caladoc e Tinta Barroca e brancas Moscatel e Arinto.

 A vinificação é efectuada na antiga adega, agora remodelada, em lagares tradicionais com pisa a pé, e temperatura controlada.

 Comercializa para além de vinhos regionais a granel, vinho engarrafado sob a marca Galecião Peral.

 Passados 1800 anos de história, aqui na Quinta de S. Lourenço, continuam a produzir-se vinhos, na que é uma das melhores explorações vinícolas da região Oeste.
 

                                           Vinha de S. Lourenço durante o inverno com o casario ao fundo


P.S.- Passados poucos dias após ter publicado o presente post, recebi a informação por parte do proprietário da quinta de S. Lourenço, Alexandre Clemente Pedro, da existência de uma outra quinta, não mencionada no texto.
 Trata-se da Quinta da Lameira, adquirida pelo seu bisavô, em conjunto com as outras três quintas. Não tendo qualquer registo sobre esta quinta, deduzo pelo seu topónimo que se situaria nas imediações do actual Casal das Lameiras, provavelmente, contígua com a quinta do Varatojo.
 Fica a ressalva, que afinal seriam quatro quintas, e não as três mencionadas. 

Referencias: Nuno Gorjão Henriques/Miguel Gorjão Henriques in Gorjão Henriques
                       Guilherme Cardoso, José d'Encarnação in Cipo Funerário Romano do Cadaval
                       Santos Silva, Manuela in Concelho de Óbidos na Idade Média
                       Fotos de Peral Aldeia, página de facebook

Transcrição de: - https://noutralatitude.blogspot.pt/2014/07/de-galeciao-d.html?spref=fb

Agradecimentos a: António João Branco

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